Por Rodolfo Araújo
Frequentemente gostamos de traçar uma linha imaginária entre nós, pessoas boas, e eles, pessoas más. Até que ponto, porém, esse limite é rígido e real, ou permeável e fictício? Para Phil Zimbardo a resposta é obscura e duvidosa - e o ambiente exerce uma perigosa influência.
Asch mostrou que, sentindo-se pressionada por um grupo que sempre errava as respostas, uma pessoa pode ser induzida a também se enganar. Milgram sugeriu que, num determinado contexto, pessoas comuns seriam capazes de eletrocultar seus pares - ao menos de mentirinha. Já Latané e Darleyperceberam que grupos de pessoas tendem a imobilizar as ações individuais, transformando testemunhas em espectadores passivos, quando algum tipo de intervenção seria a atitude correta.
Para Phil Zimbardo esses três casos são fortes indícios de que, dependendo do tipo de situação em que nos encontremos, colocamos de lado nossas convicções pessoais, nossos valores morais e somos capazes de atos jamais imaginados.
Ainda jovem leu O Médico e o Monstro (Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde), onde o escocês Robert Louis Stevenson narra a estória de Dr Jekyll e Mr Hyde, duas personalidades antagônicas habitando o mesmo indivíduo. Por ter crescido no South Bronx, o sinistro roteiro não lhe era tão estranho, pois seu violento bairro era povoado por figuras semelhantes. Sua curiosidade voltou-se, no entanto, para a misteriosa poção que transformava o pacato Dr Jekyll no abominável Mr Hyde. Que maléfica fórmula seria capaz de semelhante metamorfose?
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A partir do seu interesse em entender como pessoas boas são induzidas ou seduzidas a tomar atitudes violentas, bem como suas justificativas psicológicas, Zimbardo decidiu estudar a forma como a persuasão altera o comportamento das pessoas. Para ele, a linha que todos nós gostamos de traçar entre nós, pessoas boas, e eles, pessoas más, não era assim tão rígida e impermeável como gostamos de pensar. À estranha e onipresente força que eventualmente nos faz cruzar essa tênue fronteira, ele chamou de Efeito Lúcifer.
O termo tem origem na passagem bíblica que conta como Lúcifer (que significa "A luz") foi expulso dos céus, no momento em que se rebelou contra seu próprio Criador. Até então, Lúcifer era considerado um dos Querubins favoritos de Deus, tendo grande destaque entre Seus demais auxiliares.
Tanta deferência trouxe-lhe a soberba e, tendo enchido-se de orgulho, Lúcifer recusou-se a servir ao homem, a criação divina favorita. Coube ao Arcanjo Miguel, então, a tarefa de expulsar o rebelde do céu, juntamente com seus seguidores. Vencidos pelas hostes de Deus, Lúcifer e sua legião de anjos rebelados desceram ao Inferno, de onde travam a eterna batalha de tentar corromper a protegida criatura: o homem.
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Pois em 1971 Zimbardo estava pronto para ver sua teoria sobre a maldade na prática: em 14 de agosto teve início um dos mais controversos Experimentos em Psicologia feitos até hoje: o Estudo da Prisão de Stanford.
Com um anúncio no jornal, Zimbardo e sua equipe amealharam 75 candidatos para uma pesquisa onde seriam estudadas as condições dentro de uma prisão. Através de testes físicos e avaliações psicológicas, eles escolheram os 24 voluntários, dentre os mais saudáveis do grupo, que receberiam US$ 15,00 por dia de participação.
Um cara-ou-coroa dividiu o grupo entre guardas e prisioneiros, colocando-os dentro ou fora das grades de uma cadeia cenográfica montada no subsolo da própria universidade. Depois do sorteio, os voluntários eram instruídos a aguardar em casa o início do experimento.
Sem qualquer outro aviso, os prisioneiros eram buscados em suas casas pela própria polícia de Palo Alto, na Califórnia. Sob a "acusação" de assalto à mão armada, eles eram levados à delegacia algemados em carros-patrulha para serem fichados, tirar as impressões digitais e as fotos características.
Já na cadeia, os prisioneiros eram chamados apenas por números bordados em suas roupas - iniciando seu processo de despersonalização, a que retornaremos mais tarde. Todos usavam uniformes apertados, gorros de lã e eram obrigados a carregar bolas infláveis a maior parte do tempo, para que se sentissem desconfortáveis. Uma corrente atada a um dos tornozelos lembrava-os, constantemente, sua condição de prisioneiro.
Aos guardas foram fornecidos bastões de madeira, roupas características e óculos escuros espelhados, para que evitassem contato visual direto com os prisioneiros.
Nas instruções que lhes deu um dia antes do experimento, Zimbardo alertou-os que não poderiam machucar os presos.
Disse-lhes: "Vocês podem criar nos prisioneiros a sensação de tédio, algum grau de medo e o sentimento arbitrário de que suas vidas são controladas por nós, pelo sistema e que eles não têm qualquer privacidade. Vamos tirar suas individualidades em vários níveis. Geralmente isso tudo leva a sensação de impotência, ou seja, nessa situação nós teremos todo o poder, enquanto eles não terão nenhum".
Um dos guardas foi designado Diretor da Prisão, enquanto que o próprio Zimbardo era o Superintendente. Mesmo sob sua supervisão, o experimento fugiu ao controle rapidamente. Ali ele pôde compreender o que acontecia a pessoas boas quando colocadas numa situação ruim.
Numa irracional escalada de brutalidade, os guardas tornaram-se sádicos algozes daqueles que, dias antes, eram seus colegas de universidade. Eles forçavam os detentos a exercícios repetidos, sem motivo aparente. Proibiam os prisioneiros de sair das celas para suas necessidades fisiológicas e os impediam de esvaziar suas latrinas, causando rápida deterioração nas condições sanitárias do presídio.
Em 36 horas o primeiro preso teve um colapso nervoso, chorando, gritando e com o raciocínio totalmente perturbado, precisando ser removido imediatamente.
Os guardas tornaram-se cada vez mais cruéis com o desenrolar do experimento. Às vezes retiravam os colchões das celas como forma de punição, forçando os presos a dormir diretamente no concreto. Outros eram obrigados, ainda, a andar nus pela prisão.
Certa vez, o prisioneiro 416 recusou a alimentação oferecida e foi trancado num armário apertado carinhosamente batizado de solitária. Para enervar os presos e criar conflitos internos, os guardas disseram que só soltariam o colega isolado se os demais entregassem seus lençóis. Todos se recusaram.
Tão estranha quanto a crueldade cultivada pelos guardas era a passividade demonstrada pelos prisioneiros. Zimbardo explicou que eles internalizaram seus papéis a tal ponto, que sofriam passivamente o tratamento sádico, covarde e humilhante que lhes era imposto. Quando algum deles pedia para sair, era submetido ao "comitê de liberdade condicional", onde seu caso era "julgado".
Invariavelmente o pedido de condicional era negado (caso fosse aceito, ele sairia sem receber o pagamento por sua participação) e, por incrível que pareça, o prisioneiro aceitava candidamente a decisão e voltava à prisão. Ele parecia esquecer-se de queestava ali por sua própria vontade e, assim sendo, poderia ir embora no momento que bem entendesse, independente da decisão de qualquer comitê fajuto.
Imerso no seu papel, Zimbardo parecia não se dar conta do que acontecia com seu experimento. Mais de cinqüenta pessoas já haviam visitado as instalações da "prisão", até que uma delas - e apenas uma delas! - chamou sua atenção para o tipo de atrocidades que se cometia ali. Disse, ainda, que o próprio Zimbardo, mesmo parecendo alheio, era responsável pelo que acontecia com aqueles rapazes.
Como que despertado de seu torpor, Zimbardo encerrou o experimento na manhã seguinte. Era ainda o sexto dia, de um total previsto de quatorze.
A maioria dos guardas mostrou-se desapontada com o prematuro encerramento das atividades. Muitos dos prisioneiros estavam psicologicamente abalados. Cinco tiveram colapsos nervosos.
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Para Zimbardo, o experimento do Presídio de Stanford marcou o início de uma extensa carreira de pesquisas procurando entender as origens do mal - especialmente quando praticado por pessoas comuns. Algumas de suas mais interessantes teorias podem ser acompanhadas nessa palestra que ele deu na edição de 2008 do TED (agora com legendas em Português! Advirto, porém, que há imagens fortes de violência.).
Nos mais de trinta anos durante os quais estudou o tema, sua pergunta básica era: o que faz as pessoas agirem de forma errada? Suas conclusões são espantosas, ainda que simples e intrigantes, porque banais.
Imagine que alguém lhe pergunte: "vamos eletrocultar alguém hoje?" Tenho certeza que a leitora responderia, meio espantada, meio indignada: "Hummm... não, obrigada. Prefiro o chá." Mas dez anos antes de Zimbardo, Stanley Milgram provou que, uma vez colocados nas condições apropriadas, 65% dos voluntários fritariam pessoas inocentes, as quais nunca viram mais gordas.
Milgram estudou, no entanto, o poder de uma autoridade individual. Zimbardo avaliou, por sua vez, a influência de uma instituição. Trata-se, no final das contas, de um estudo sobre o poder da instituição. E a maioria de nós está dentro de uma instituição a maior parte do tempo.
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